24.4.14

E depois do adeus


As datas redondas propiciam efemérides. 40 anos estarem volvidos sobre o 25 de Abril de 1974 abre via para todos quantos se preocupam com os factos em função do calendário. E jorram, assim rememorações em todos os tons e paladares.
Não é só isso, porém, que dá causa ao imenso que se tem agora escrito e dito e polemizado sobre esta data. Lembro que o ano passado a mesma estava quase em vias de cair no olvido público, salva pelo grupo resistente em torno da bandeira "25 de Abril Sempre!".
Que se passa então para esta comoção pública, que transcorre dos meios de comunicação de massas para as redes sociais, inclusivamente para as conversas de rua e até para a intimidade dos lares, trazendo doses maciças de "Revolução dos Cravos" a um público que, cada ano que passa, é mais formado por aqueles que não eram nascidos sequer, gatinhavam ou andavam pela escola primária quando se deu aquela pálida madrugada e que nada viram nem sentiram, então e nos «anos da brasa», quantos escolarizados por uma organizada historiografia nova falsificadas ela também pela ideologia, tornando factos em propaganda que só agora começa a decair?
Passa-se que estamos a sublimar, ao revolvermos aquele dia, a ânsia por um novo 25 de Abril, sabendo que há muitos que desejariam, sim, mas um 28 de Maio, a Revolução Nacional que acabaria por levar ditadura ao poder.
Passa-se que há quem comece a murmurar saudades pelos valores do passado, mesmo sendo o passado o do Estado Novo, e isso nas bocas dos que, com o PREC andavam matraqueando agitação permanente, a esquerda extremista, clamando, ó «radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista» o «nem fascismo nem social-fascismo», hoje zelosos serventuários do capitalismo mais decadente e predador que se viu nos últimos decénios, em suma, fazendo jus ao princípio chinês de que «o melhor espião é o convertido».
Passa-se que houve um País que no dia 31 de Março de 1974 aplaudiu o então Presidente do Conselho de Ministros Marcello Caetano quando do derby Sporting/Benfica e menos de um mês depois muito desse País vociferava "morras" porque destituído aquele, estava cercado no Quartel do Carmo. E com isso o vira-casaquismo, arte de sobrevivência na selva e nela meio simiesco de trepar.
Passa-se que houve um País que teve como Presidente da República um general, Costa Gomes, que fora «crachat de ouro» da PIDE e antes dele outro que passou de "bestial democrata" ao ter escrito "Portugal e o Futuro", antevisão do MFA, a "besta fascista" ao ter-se enrolado com a "maioria silenciosa" e o que se lhe seguiu.
Passa-se que o País, que se ia destroçando numa guerra civil em 1975, passou do colectivismo das nacionalizações e ocupações para o liberalismo das privatizações e concentração do capital financeiro em que as poucas famílias que eram donas da País voltaram a sê-lo mais uns quantos parvenus, os novos-ricos da nova Situação.
Passa-se que o País suportou a megalomania do bloco central e seus interesses privados, os desmandos irrealistas da governação de um José Sócrates, já falido e a delirar com o TGV, e rende-se hoje, desgovernado pelos credores usurários, aos diktats da troika e ao seu comanditário Passos Coelho, gritando imprecações que são a forma dos submissos se inconformarem, rendidos, porém.
Passa-se que o País acumulou ressentimentos, rancores, descobriu que os seus brandos costumes são afinal incapacidade e aquela forma acomodatícia do «o que é a gente há-de fazer», variante do «assim, como assim, isto é tudo o mesmo».
Passa-se que o País está hoje alienado em futebol e no voyeurismo - que é o prazer dos impotentes - a devorar, sequioso, pela TV mesquinhas vidas alheias e, encolhendo os ombros, a grandiosos escândalos públicos. E tudo se tornou circo onde não há pão. E negócio mediático.
Passa-se que os que sonhavam a queda do "fascismo" pelo "levantamento nacional popular", viram que uma vez mais, tal como com o general Gomes da Costa, os cadetes do Sidónio, foram os «capitães de Abril», em suma, as fardas, quem carregou no detonador do «basta!». E só no 1º Maio um "putsch" militar se tornou no arranque de uma revolução popular.
Só que hoje já não há Forças Armadas, sim, remanescentes fardados.
Passa-se que estamos à beira de um revolver entranhas da memória. 
Claro que Vasco Lourenço pode sorrir ao lado de Assunção Esteves, Ana Maria Caetano dar um beijinho a Otelo Saraiva de Carvalho. A Nação já não acredita em nada.
Nunca uma canção foi lema e hino fúnebre. Esta é. Deixo-a aqui. E depois do adeus: «Quis saber quem sou / O que faço aqui / Quem me abandonou / De quem me esqueci »