22.11.13

Numa bela e que seja magnífica madrugada..


Ouvi na rádio as palavras de Mário Soares. E olhando para muitos dos nomes que se perfilam em torno de si, lamento, não consigo acreditar que sejam alternativa para o grave momento em que vivemos. Estão aí tantos dos que nos conduziram aqui, muitos dos que lavam assim as mãos ao que nos trouxe até aqui, muitos dos que criticam como se falassem de um mundo a que são alheios.
As palavras de Mário Soares, ao vaticinar que caminhamos para a ditadura, são o eco trágico do mesmo que clamavam os republicanos na agonia da primeira República quando sucessivas hostes republicanas tentavam salvar a República, quando já não era com eles que a República se salvaria.
Tomo conhecimento também, da homenagem a Ramalho Eanes, à qual o mesmo não estará presente. Um Homem honrado perante quem me curvo em respeito. Mas de novo se perfilam em torno do acto, vultos em que não acredito, pessoas em quem não confio.
Lamento. É esta a minha verdade íntima. É deste pesar que faço a minha ausência na política, a minha escassa intervenção cívica.
Talvez nas sombras do que a ribalta mediática não reflecte, nalguma mansarda esconsa, nas catacumbas do afundado Portugal estejam os que protagonizem o futuro. Talvez tenhamos que esperar uma geração e, com ela, o tempo prolongado de sofrimento. Talvez tenhamos que aguardar o desmoronamento desta Europa, que se sabia que era a Europa do capital disfarçada da Europa social, a que trouxe a política financeira mais o expansionismo estratégico alemão como a mãe de todas as políticas e com isso a usura e agora a bancarrota dos endividados. Talvez tenhamos numa madrugada o desenlace fatal da revolta  generalizada, a irracionalidade de uma revolução. 
Um Regime Político está morto quando o Estado perde capacidade de encontrar salvação para o País que serve. Eis o que sucede à democracia partidária desta segunda República, dominada pelo rotativismo partidário de um bloco central de interesses, afinal o regime saído do 25 de Abril quando ele se estabilizou após o 25 de Novembro. Eis a repetição da história da primeira República que desembocou no 28 de Maio.
Ante isto, esta miséria e este vazio, só a Nação chamando a si, com a legitimidade de oitocentos anos de História, a condução dos seus destinos, em nome da Pátria dos portugueses, numa bela e que seja magnífica madrugada.


18.11.13

O ideal e a redenção


Penso que a questão se resume assim: houve um tempo em que, por sermos ainda tão pouco ante a vida então escassamente vivida, em que havia muito mais a unir do que a separar. Mas já então se notava a diferença entre nós. 
Houve um tempo em que, porque a juventude traz confiança e ilusão, minimizávamos o que nos dividia, ampliando o que nos irmanava. Sobretudo ante o que tínhamos como sendo uma causa comum.
O tempo, esse outro tempo que foi esgotando, porém, dispersou-nos, o espaço que se nos abriu como mundo, deu-nos, entretanto, a uns oportunidades a outros negações. E fomos formando ideias sobre o mundo, crenças sobre a transcendência, expedientes para a vida prática. Diferenciá-mo-nos. 
Nos momentos em que nos encontrávamos, ou nos eventos comemorativos, comensais, celebrávamos o ritual nostálgico dos tempos idos. Fingíamos, por não pensar muito nisso, que os dias da arriscada luta por um mundo novo, até por um homem novo, a luta também para que fossemos eternamente novos, ainda se mantinha na ordem do dia. 
A verdade, porém, insofismável, é haver agora já tanta diferença entre cada de nós: os arranjos e as conveniências, as derrotas e os sucessos, os cortejos de histórias miseráveis e de vidas de miséria tinham-nos tornado outros. 
Foi assim com os cadetes do 28 de Maio, com os capitães de Abril, com os da crise académica. Foi assim com os heróis da Rotunda, com os bravos da praia do Mindelo.
A nostalgia é a ânsia de purificação, o acordar ante o pesadelo do real lembra o pulsar do sonho arrebatador. No labirinto nocturno da madrugada são gerações cujo quotidiano é uma moral íntima que os acusa de traição.
Inexoravelmente a vida mata em muitos o ideal. Por isso renasce ciclicamente a geração da ousadia e do atrevimento que a substitui. 
Poucos resistem ao que foram sem serem uma caricatura de si.
Toleramos vergonhosamente o insuportável limitando-nos a um murmúrio, no mais desistentes.
Não vem isto por eu ser melhor do que os outros, não partilhar das mesmas fragilidades, não estar aquém do que eram os meus vinte anos. 
Digo e por isso escrevo o que vejo ainda fazer pulsar, triste embora, o coração de muitos que ousam acreditar que não foi em vão. E por saber que a vida dá em cada dia uma oportunidade de redenção.

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Origem da foto: aqui