28.4.12

A pedra tumular

Pela boca do General António Ramalho Eanes veio a lume a memória sobre o livro que Rui Mateus escreveu sobre o que viu na vida do Partido Socialista de então, nomeadamente a propósito de Mário Soares. Revelações graves, escandalosas as dessa obra.
O livro teve um destino curioso, sintomático.
Não conheço qualquer desmentido aos factos que ai se revelam.
Na altura, porque a serem verdadeiros os factos revelados poderiam integrar crime, o Procurador-Geral da República, Cunha Rodrigues, disse que iria mandar ler o livro. Nunca se soube o que resultou da leitura.
Para conforto de muitos Rui Mateus entrou, porém, na galeria dos insolentes ressabiados, por isso sem credibilidade. Virou-se assim a página. No entanto no livro relata o que viveu, não se excluindo do que se passou. E os seus leitores não o esqueceram.
Recentemente Mário Soares veio a público tentar desqualificá-lo. Sobre isso escrevi aqui, um postal a que chamei O Perfume Barato do Contar.
Rui Mateus, entretanto, desapareceu e foi eliminado dos registos públicos, como escrevi aqui. O livro desapareceu, como se lê aqui, e só pode ser lido na net, como por exemplo aqui.
De vez em quando o assunto regressa num breve furor para morrer em silêncio a seguir.
O que ninguém se pergunta é:
-» Qual a razão pela qual Rui Mateus escreveu o livro em causa, estando pendente à data o processo criminal do aeroporto de Macau e dos alegados pagamentos da Weidelplan, o célebre caso do fax no qual foi um dos envolvidos, tal como o foi o governador de Macau, Carlos Melancia? [ver aqui].
-» Qual a razão pela qual se não contam as tentativas que foram feitas para evitar que ele publicasse o livro?
-» Qual a razão pela qual nem Rui Mateus foi alguma vez processado e condenado como caluniador nem aberta averiguação sobre o que ele ali escreveu?
Um dia a História encarregar-se-à de tudo isto. A pedra tumular do silêncio, por mais pesada que seja, não é eterna no cemitério das misérias humanas.

Portugal, vive!

Custa-me escrever isto porque está recente a morte de uma pessoa e poderão pensar que a desrespeito. Mas bem pelo contrário. Falo do Miguel Portas, mas o que quero dizer tem a ver com a generalidade dos factos não com a individualidade da sua pessoa. 
Sobre ele pouco posso dizer. Não o conhecia salvo pela dimensão pública. Acompanhava ocasionalmente as suas intervenções. Pareciam-me mais sólidas do que muitos dos partido a que pertencia. Apercebi-me da doença e o seu desfecho. 
Dói a morte de quem tem valor. Dói a morte de uma pessoa. Mas só assim a vida se cumpre, retomando o ciclo de onde a vida surge. Pena que a vida não deixe, durando mais, que melhor se realizem certas vidas. Como sucedeu com ele.
O que quero dizer, porém, tem outro registo. Reparei nas exéquias públicas a seu respeito, no espraiar do sentimento de condolência pelas redes sociais, pelos comentários na imprensa, nas declarações públicas, no pesar que urdiu em tantos e tantos que, como eu, não o conheciam ou vagamente se tinham apercebido da sua existência e dos que, sabendo-o, recebiam com antagonismo o seu contributo para a causa pública. 
Teve o destino, afinal, de tantos portugueses que, uma vez idos, são colocados no Panteão da glória pelos mesmos pelos que os desconsideraram quando estavam entre nós em Portugal.
Miguel Unamuno, esse notável amigo dos portugueses, escreveu que somos um País de suicidas. Referia-se a todos e a cada um de nós. Amamos a morte, detestamos a vida. Os nossos heróis são os que foram. Dom Sebastião é a mítica do salvador que regressa do campo da morte, o Alcácer-Quibir da nossa esperança.
Um País que venera os seus mortos é um País com honra. Uma Nação que despreza os seus vivos, é uma Pátria morta.

25.4.12

Portugueses. de pé!



Escrevi isto neste blog faz precisamente um ano. Então como hoje.


«Escrevo isto com a tristeza de hoje ser o dia 25 de Abril. Nesse dia, em 1974, por causa da PIDE eu estava em Armas Pesadas de Infantaria no Quartel em Mafra.
Um regime que não garante nem emprego nem futuro à esmagadora maioria dos seus jovens, arrastando-os para a infantil dependência dos pais e para o perpétuo desemprego, um regime em que os jovens machos se imbecilizam com jogos virtuais violentíssimos e os adultos se idiotizam com o futebol na tv em doses cavalares e em que a coscuvilhice feita jornalismo rosa alimenta a ociosidade e a falta de sonho da feminilidade solitária.
Um regime que endividou o Estado até ao osso depois de o ter deixado pilhar por meia dúzia de novos ricos e agora faz todos pagarmos a conta do festim.
Um regime que tem as famílias falidas, porque enforcadas em hipotecas imobiliárias, e estraçalhadas por causa do crédito ao consumo e desejosos de mais gasto e mais compras.
Um regime de publicanos e filisteus, todos na ânsia do ganho, da renda e do lucro.
Um regime em que dois partidos que não se diferenciam nem distinguem pelas ideias e são iguais na ganância e na sede de poder rendoso, são, afinal, o partido único, a União Nacional dos tempos de hoje.
Um regime em que uma faixa significativa dos seus nacionais nos venderia à Espanha em troca de um prato de lentilhas.
Um regime que saqueia a Nação com impostos e em que os contribuintes aldrabam o Estado nos impostos, achando-o ladrão.
Um regime em que já não se sabe quantos anónimos bichos-careta foram Secretários de Estado ou até ministros e menos ainda quem eram ou de onde vinham, mas em que se percebe depois ao que vinham.
Um regime que capou os militares, achincalha os tribunais e domesticou a Igreja.
Um regime com estes e tantos outros males está minado pela pior lepra que é ele ser a gafa que tudo contamina.
Um regime destes e não este ou aquele Governo ou este ou aquele partido ou aqueloutra coligação tem de se deposto. A bem ou a mal.
A tarefa patriótica para os poucos a quem restem forças e esperança não é o que fazer nas próximas eleições.
Um regime destes clama, exige e merece uma Revolução. Chegou ao ponto em que ele é a semente da sua destruição. Não uma revolta cívica ou o lento corroer das manifestações de rua. Uma Revolução.
Não foi para isto que se fez o 25 de Abril. Foi por isto assim que surgiu o 28 de Maio. 
Portugueses, de pé!»

10.4.12

Rádio Renascença: parabéns!

Presidia ao Conselho de Ministros o Almirante Pinheiro de Azevedo. Na extensa mesa circular, no pólo oposto, estava eu, Secretário do Conselho. Tempos conturbados os desse sexto governo provisório. Cabia-me fazer a acta das sessões, circular os projectos de diplomas legais de todos os ministérios, recolher as observações e críticas, circulá-las, preparar os dossiers para a discussão, sintetizando os pontos em controvérsia. E sobretudo assistir a esses tempos históricos em que seu deu o cerco da Constituinte, em que estive, também eu, aprisonado na Residência Oficial, na Rua da Imprensa, uma betoneira a barricar o portão, milhares de manifestantes a cercarem São Bento.
Foi num desses conturbados Conselhos - de que um dia talvez conte mais - que a cena ocorreu. Os SUV, sigla para a organização clandestina Soldados Unidos Vencerão [ver aqui e aqui] tinham ocupado a Rádio Renascença. A partir dali emitiam propaganda revolucionária, incendiando o País, provocando a Igreja Católica. Protestos surgiam, incluindo os da Nunciatura Apostólica. Nesse dia o assunto estava em agenda. 
Grave, ligeiramente tombado sobre a mesa, como era seu hábito, as mãos segurando as abas do casaco, qual comandante na ponte do seu navio, o primeiro-ministro ouvia a ladainha lamurienta ministerial quanto ao que se devia mas não se podia fazer. Foi aí que, iracundo, se soergueu. Com um dos seus «Vítor Alves [então ministro da Educação] ficas aqui a tomar conta destes senhores [os ministros] abandonou a sala». Voltou momentos depois. Reocupando a presidência da reunião, atirou como que atónito: «ainda a discutirem o mesmo, homens? Tá resolvido, porra!». Tava, de facto.
No dia seguinte soube-se como. Resolvido à bomba. 
A sabotagem das antenas silenciou o pio à aos que proclamavam a luta «com todos os trabalhadores pela preparação de condições que permitam a destruição do Exército burguês e a criação do braço armado do poder dos trabalhadores». 
Dizem-me que terá sido o então major Jaime Neves, dos Comandos da Amadora. Ou os Fuzileiros Navais. Quem souber que conte. Nesse dia a Rádio Renascença, a Emissora Católica Portuguesa sobreviveu.
Não sou católico, sim baptizado. Até por isso, deste canto que é o meu espaço de liberdade cívica, lhes endereço, para a Rua Capelo, como ondas para o éter, num aceno fraternal, votos de parabéns! Muitos anos de vida.