15.1.12

Gare do Oriente

Vá à Gare do Oriente, uma das obras do Regime que jogou o País para a bancarrota e da qual se atiraram todas as culpas para o Governo anterior, como se não existissem as do antecedente.
Saia das garagens por estreitas passagens a tresandar a urina e, ao entrar no hall,  passe por entre a lástima de mendigos, vagabundos e sem-abrigo que por ali pernoitam. E passam o dia. Sujos na maioria, bêbados quantos deles, esfarrapados, a imagem real da miséria nacional no subsolo. Em cima o luxo, as torres magníficas, os condomínios de eleição. Ao lado deles, também debaixo do chão como cães em canil, a polícia, indiferente, impotente, incapaz, feita de guardas sobrecarregados de serviço e cansaço, para a tarefa bruta da repressão sobre situações em que melhor sentimento seria a piedade e por isso toleram e entendem e deixam ficar porque não há segurança social que lhes dê ajuda. 
Continue o seu passeio, suba ao andar onde estão as bilheteiras, corredores imensos, como se para multidões que não existem, extensões inóspitas, lugares ventosos, desumanos na sua vasta melancolia, onde o lounge da  classe conforto parece um insulto àquela desgraça de existência.
Suba, como no dia de hoje, enfim, à plataforma onde surgem os comboios. Num dia como hoje em que chovia. Em que as bátegas laterais o atingem, por não haver protecção do espectacular tecto envidraçado, e onde a chuva vertical o molha igualmente, a escorrer, porque tudo aquilo está em erosão, desenhado por um arquitecto que julgava que estávamos num Marrocos seco ou desenhava excentricidades espampanantes para um País de camelos.
Espere pelo comboio, tente encontrar a sua carruagem, fiado na informação que lhe deram que era a primeira e cruze-se, em tropel, com as horas desenfreadas de passageiros que, quais baratas tontas esvoaçam entre malas e sacos, por nunca se saber onde é que vai estacionar o quê e como tudo aquilo parece em burlesco a cena ferroviária de As Férias do Senhor Hulot.
E pergunte-se, enfim quanto se gastou, quem gastou? Quem sabia que o efeito ia ser aquele local horrendo? Quem não o impediu, quem fez de conta, quem ganhou à conta?
Talvez para emigrar seja aquela a gare adequada, para que fique de Portugal a imagem triste e feia daquilo em que tornaram Portugal, aqueles que, manhosos, emigraram eles mesmos para os seus dourados exílios, ou, ainda por aqui trepando enquanto der, aconselham sem pudor este pobre povo à emigração.
Vá à Gare do Oriente. Logo a seguir, se seguir viagem, olhe em redor. Verá as ruínas da indústria que encerrou, as fábricas em escombros, do comércio que faliu, os armazéns ao abandono, os casebres, os campos vazios, a solidão, verá, verá, verá, até que, embalado pelo balançar, enfim, o sono o liberte do pesadelo e lhe traga pelo adormecer o sonho e com ele a ilusão.