28.11.11

A Europa do FEDER

Quero lá saber que me chamem nomes por citar o que vou citar. Não me chamarão seguramente é mentiroso. Porque ante o servilismo que a "democracia" portuguesa demonstra face ao poder do capital trans-atlântico, lembro este excerto de História, quando, finda a 2ª Guerra, Washington quis "ajudar" a reconstruir "a [sua] Europa", tendo Portugal sido convidado para integrar o número dos contemplados com o Plano Marshall e tendo o Presidente do Conselho manifestado ostensivas reticências.
Cita quem soube o que relatava: «Alguns ministros, mais directamente ligados ao fomento, inclinar-se-iam para aceitar a aplicação do Plano Marshall ao país. Salazar segue, no entanto, um ponto de vista diverso. Tem o chefe do governo suspeitas dos objectivos americanos: receia que a penetração dos Estados Unidos no sentido da Europa constitua, mais do que um auxílio a esta, um desígnio imperial de Washington; teme que uma preponderância económica e financeira americana no Ocidente europeu seja apenas uma forma de acesso às posições europeias no continente africano; e apavora-o a ideia de que a vulnerabilidade das estruturas portuguesas possa tornar estas presa fácil de um credor poderoso, que para mais se julga predestinado ao exercício da hegemonia global». 
Vem tudo aqui, para quem quiser mais do que chavões e sobre-simplificações maniqueístas dessa falsificação a que alguns chamam de "História Contemporânea". 
Ante esta aguda compreensão sobre os objectivos imperialistas da "ajuda" e a relutância em aceitá-la, e o seguidismo com que nos integrámos na Europa do FEDER, é caso para concluir como regredimos em inteligência e nos agachámos em dignidade. Com os resultados agora à vista.

20.11.11

Os dias da rádio

Escrevi neste blog um texto que me surpreendeu pela divulgação que conheceu. Chamei-lhe A Trapeira do Job. Talvez por ter ido de encontro ao sentimento de frustração, revolta, desânimo de tantos portugueses andou de mão em mão. O texto está aqui.
Era um texto saudosista, talvez, mas um convite a que tivéssemos saudades do futuro. Um texto que me fez pensar, eu que fui o seu primeiro leitor, os caminhos por onde tenho trilhado mais os meus.
A gentileza da Dina Maria da Rádio Sempre permitiu que pudesse ser não lido mas ouvido aqui
A rádio foi parte da minha infância e companhia em tantas horas. Ao sentimento de gratidão juntou-se a memória de um tempo feliz. Tinha-o escrito aqui.

18.11.11

Das Kapital!

A democracia que gerou os Berlusconi deste mundo entregou, no dizer de hoje de Zapatero, o poder ao Conselho Europeu e ao Banco Central Europeu. A Itália e a Grécia têm, por isso, governos nomeados pelo capital, que nenhuma urna legitimou. Tecnocratas dos credores para garantir que os devedores possam pagar.
Tudo é incerto. Como David Rosenberg disse, a volatilidade dos mercados é tal que a situação inverte-se em seis horas e meia. 
Idílico, António José Seguro, clama ainda por uma Europa da economia e não apenas monetária, como se neste momento a economia não estivesse a ser esganada pela política fiscal ao serviço das finanças.
Isto porque a acumulação do capital leva à crise endémica do capitalismo. Marx estava certo no diagnóstico, Lénine profundamente errado nas ilações. Por alguma razão o plutocrata Engels financiou o autor de Das Kapital. O marxismo que gerou a defunta Rússia soviética explica a moribunda Europa alemã.

10.11.11

O homem do Campo Pequeno

Um antigo professor de ginástica da Legião Portuguesa que se converteu primeiro à causa democrática que deu na Revolução de Abril de 1974 e depois depois no chefe da tirania do COPCON [e depois disso é melhor ficarmos calados quanto ao que foi a sua vida], veio agora fazer apelo a uma outra Revolução. 
Há quem esteja escandalizado. Eu não. A biografia cómica deste homem é a História trágica do País. 
É que, quando confrontado com ter dado as ditas aulas de ginástica a uma Legião que fora criada em 1936 para combater os «comunistas» e à pala disso tudo quanto era oposição a Salazar, Otelo Saraiva de Carvalho defendeu-se que o tinha feito pelo dinheiro que assim ganhava e de que precisava. 
A barca do venha a nós em que a Legião se transformara, apodrecido que estava o regime do Estado Novo, e que ele assim serviu mercenariamente, fez-lhe nascer o espírito de revolta e assim nasceu um revolucionário.
A História repete-se sempre duas vezes. Hoje Otelo lembra que Portugal precisa de Salazar e de uma Revolução, afinal, os dois pilares que o elevaram ao Panteão do Poder. São saudades do que foi.
Vindo isto da sua boca nem chega a fazer pena. Coitadinhos foi dos que o idolatraram, pensando que com o caminho que ele abriu e com o que se seguiu haveria um 25 de Abril que não retornaria ao 28 de Maio. Uma tourada.

6.11.11

Portugal tem medo!

Sabem o que é o fim da democracia? É as pessoas terem perdido a esperança de que Portugal pode mudar a partir do interior dos partidos. É as pessoas não acreditarem que os partidos possam mudar a partir de dentro de si mesmos.
Sabem o que é o fim da democracia? É as pessoas referendarem em eleições por uma cruzinha num cartão pessoas que não escolheram, como quem num restaurante come o que a lista lhe oferece e tem sido sempre o «prato do dia» em todas as refeições, votarem nos nomes, cada vez piores, que lhes são apresentados pelos que dos partidos se apoderaram.
Sabem o que é o fim da democracia? É o acto eleitoral ser um negócio pelo qual vendo o meu voto em troca de não querer saber mais da causa pública, salvo para me lamuriar e ficar inerte, com excepção, para alguns, dos dias de greve e de manif.
Sabem o que é o fim da democracia? É ver-mo-los chegar à política com uma mão atrás e outra à frente, vagas de desconhecidos, treparem esses vultos através das velhacarias em que os aparelhos dos partidos do governo se tornaram, e uns tempos depois, publicitados, travestidos pelo "marketing", aí estão cheios como odres ou em santuários de bom viver.
Sabem o que é o fim da democracia? É ninguém ter votado que se aceitassem a aniquilação da nossa agricultura e, corruptos, aceitámos, submissos, da Europa do capital o seu dinheiro para a destruir, mais a frota pesqueira, mais a capacidade de produzir até o que comemos e hoje vivermos do calote e do fiado, iludidos uns que era a modernidade que assim chegava, a da tecnocracia post-moderna a este cantinho nosso de labregos, e mais do que certos outros de que o dinheiro para a formação e para a reconversão tecnológica daria para uns anos de desbunda privada e ostentação pública.
Sabem o que é o fim da democracia? É uma pessoa escrever isto e haver quem receie que lhe chamem fascista e se ter criado um clima oculto de intimidação pelo qual se aluga o silêncio e se compra a complacência e ser mais barato fazer de conta e sobretudo mais rendoso.
Sabem o que é o fim da democracia? É estarmos em República a ser governados pela «troika» estrangeira, como na Monarquia pelos Filipes espanhóis e já não comemorarmos o 25 de Abril e ainda não ter chegado quem queira um 1640.
Sabem o que é o fim da democracia? É ter-se enterrado com os Fernando Nobre a ilusão de que nas AMI's deste mundo ainda haveria um resto de gente que se podia organizar e tirar este país do estado comatoso em que se encontrava, até se ter descoberto que, afinal, era mais um, a mesma ambição pessoal, a mesma incapacidade de agir, a mesma derrocada moral, o mesmo desânimo.
Sabem o que é o fim da democracia? É que os que podiam pegar nas armas do combate contra os que a puseram na viela escusa da má fama, em nome da democracia suicidarem-se com essas armas, por vergonha, por desespero, por já não aguentarmos mais.
Somos um povo de suicidas escreveu Unamuno e conheceu-nos como a Manuel Laranjeira, outro que acabou consigo, como se matou Antero de Quental com um tiro e Alexandre Herculano ao exilar-se. Somos de facto: lentamente rende-mo-nos à morte lenta, ao doce veneno de nos vermos à noite a morrer, em directo e na TV.
Sabem o que é o fim da democracia? É a democracia ter-se, afinal, tornado, através da farsa do voto, uma forma de reorganização mundial do capital à conta de quem trabalha. Entre o euro e o dólar, nos subterrâneos das praças financeiras, eis aí o combate nos esgotos pelo verdadeiro poder.
Ao longe, a milenária China espera o seu momento para nos vender como nas lojas de trezentos. Mais perto, os Árabes que, em nome da Cristandade chacinámos pelas Cruzadas, anseiam o momento da vingança.
Hoje, ante a liturgia da falência e seus coveiros, no cortejo funerário da miséria, reina um silêncio profundo, o silêncio dos cemitérios. Portugal tem medo.