18.7.10

A velha bicicleta

Passeava no Jardim da Estrela. Pedalava uma velha bicicleta. Empinado na "burra", os olhos como faróis olhava um ponto situado num qualquer infinito em frente a si. Ia a escrever um ponto abstracto, mas aquele era concreto, se bem que imperscrutável. Perseguia-o zaranguitando pelas ruelas arborizadas. Na frente do biciclo um rádio, sanfona roufenha, verbena a pilhas, roncava umas irreconhecíveis musicatas.  
Perseguidor do sossego, imaginei-o uma força do Destino contra a minha pessoa, os outros indiferentes, vindo das retretes da vida dejecta para a folhagem morna desta tarde modorrenta.
Depois percebi. No dorso da camisola laranja anunciava uma tasca de caracóis. Caracóis com baba, dos que sabem a urina e cheiram a desolação. Um mundo publicitário volteava em torno de mim, infernal, em soltura ofensiva, caracoleante.