19.3.10

A revolta surda

Há um sentimento de revolta surda do País, mas há, mais sentido, mais dorido, e talvez mais calado, um sentimento de profundo desânimo. Excepto os que se movem na área dos partidos de governo, que ainda se animam e entusiasmam com velhacarias e outras canalhices do assalto ao poder, a verdade é uma profunda indiferença, uma apática ausência de esperança. O não querer saber passou a ser a filosofia nacional por excelência. Tirando as misérias quotidianas próprias e as oportunidades de golo no futebol, ninguém quer saber de mais nada. Militantes de causas, catequistas de ideias, são cada vez menos, ali os indefectíveis comunistas, além uns exasperados bloquistas, mais adiante uns mansos católicos. No mais misturam-se pregadores de seitas com vendedores ao domicílio. Não há mais.
Há é, para além disso, pessoas que se entusiasmam por crónicas tremendistas à Vasco Pulido Valente ou à António Barreto. Entusiasmavam-se, quero eu dizer. Porque hoje a maioria desses leitores acham que elas não levam a parte alguma e lêem-nas enfastiados para se desenfastiarem.
O livro de Henrique Medina Carreira esgota-se em reedições, mas os problemas que ele ali denuncia, reditam-se ainda mais.
Operações como Vamos Limpar Portugal ainda poderiam abrir via para uma grande limpeza. Mas já nem isso ou a ironia disso acontece. Escândalos escancaram-se. Ninguém é poupado. Primeiro foi a política, hoje a Justiça e também a imprensa que os denuncia. Quem julga é julgado, quem denuncia é denunciado.
Houve tempos em que a alma portuguesa era sebastianista porque esperava um dia de nevoeiro. Hoje não pára de chover.