27.3.10

A funesta ilusão

Indecisos ante o presente, receosos face ao futuro, incertos quanto ao próprio passado, eis os portugueses. Há homens que em novos julgaram defender a Pátria em África e com orgulho, e acreditam hoje, a ficarem velhos, que afinal perpetuavam apenas o colonialismo e têm disso vergonha; há pais que não sabem como irão subsistir os seus filhos com tantos cursos e tanto desemprego, há tantos que se perguntam para que vale a pena qualquer sacrifício num mundo em que se dá crédito bancário à inconsciência e em que se elegem inconscientes cobradores de ilusões.
Descrentes nos dirigentes, desconfiados uns dos outros, os portugueses não acreditam nos seus cidadãos, defendem-se já do género humano. Ninguém é totalmente bom, poucos inocentes, nenhum ingénuo, todos estão manchados pela desonra, nem que seja a da inércia e da indiferença.
Chegou agora, porém, o último anel desses círculos de sombras, labiríntico; o medo dos elementos, da Natureza, da coexistência do nosso pequeno Universo, a chegada do Caos.
Esta tarde a terra tremeu no Alentejo. Nada de especial, afinal. Outro dia tremeu no Algarve. Também nada de especial também. Há mais de duzentos anos que a falha sísmica em cima da qual somos País não nos arrasa. Nada especial, enfim.
Um dia destes, talvez de noite, um tossicar alérgico das entranhas da Terra e serão uns milhares de mortos, um bocejo na estatística da existência. Os que sobrevirerem continuarão,a na madrugada dos escombros, com a mesma indiferença e a mesma mesquinhez, o desabamento e a depredação notícias e entretenimento de todos os outros.
A esperança de que não surja a morte que renova a vida é uma das funestas ilusões dos medíocres. Neles a máxima grandeza é sobreviverem.

24.3.10

O esgar afivelado

O País está parado. Tirando o que vai suceder na comissão parlamentar de inquérito e algum sobressalto de mais uma nota baixa das agências de rating, nada é notícia que valha a pena saber. O Governo perdeu a iniciativa política, o primeiro-ministro está sitiado. Como um autómato que tenha sobejado num centro comercial cujo tecto abateu, José Sócrates repete o discurso da confiança até à exaustão. Já ninguém o ouve e já nem ele espera ser ouvido. O poder tem a sua mecânica, o ritual do facies, da pose, da oportunidade. Quando falha o fundo fica a forma. Sócrates é um corredor de forma, perseguindo uma meta inatingível. Antes dele, Pedro Santana Lopes corria para salvar a vida, sabendo o cadafalso que o esperava. Para o actual habitante da Rua da Imprensa à Estrela é a longa agonia do corredor da morte. Nem comutação nem execução. Apenas uma dolorosa espera, o esgar afivelado de um optimismo feito subsistência. Faz dó.

23.3.10

A moral utilitária

Escrevi aqui um post sobre um fulano que, sendo hoje um áspero e impiedoso crítico da moralidade de todos nós, tem um rabo de palha no seu início de carreira por causa do qual devia ter a língua menos afiada e sobretudo mais vergonha na cara.
Se quisesse tinha posto o nome, atirando a pessoa em causa para o pelourinho da infâmia. Só que não está em causa aquela pessoa mas sim aquele tipo de pessoas. Por isso ficamos assim.
Lamentavelmente há muitos a quem o modelo se aplica pelo que corro o risco da chamada generalização.
O curioso da história não é esse, o de me invectivaram a revelar de quem se trata. Curioso foi perguntar-me um amigo meu se não era um tal fulano e, tendo eu dito que não era, se ter logo desinteressado da questão e da conversa. É que fosse aquele em quem ele pensava dava muito jeito, pois «ele tem andado a dizer por aí umas coisas e já agora...».
Dizem dos chineses que têm uma moral utilitária: o bem e o mal dependem de quem é aquele de quem estamos falando. Aqui é o caso: ainda se fosse este...agora assim que se lixem os que ainda se preocupam.

20.3.10

O quisto repelente

Actualmente tem coluna cativa num jornal. de quando em vez aparece na TV. Sempre como Catão, lutador pela moralidade, perseguidor da incoerência, polícia dos bons costumes em matéria política. Vocifera, enxovalha, ridiculariza.
Pouquíssimos sabem que purga um quisto repelente, uma sífilis de juventude, purulenta, pestífera. Queria então ser assistente universitário. A vigilante PIDE não deixou. O rapaz não se conformou. Era uma carreira que lhe vedavam. Meteu requerimento. Na António Maria Cardoso, onde foi pelo seu pé, ajoelhou, servil. Jurou fidelidade à Constituição de 1933, abjurou, justificou com inconsciências o que eram ousadias radicais. Denunciou colegas. A polícia tinha organizado uns autos que, para macaquearem os dos tribunais, ostentavam na capa o título «autos de revisão». O jovem candidato indicou testemunhas. Só uma se dignou, respondendo por escrito, por ser juiz conselheiro. Fez um cínico depoimento de ouvir dizer: que lhe diziam que o rapaz hoje era outro, que só queria livros e boas maneiras, conformismo, obediência. O outro, director dos serviços de Censura à imprensa, nem lá pôs os pés. No final os «pides» opinaram que sim, que o colaborador rapaz já oferecia garantias de cooperar «na realização dos fins superiores do Estado».
Seguiu-se uma biografia. Uma típica biografia. Hoje tem o fígado carcomido, no que a maldade ajuda. É desta massa que eles se fazem. Produto da polícia é ele próprio um «chui».
Se adivinharem quem é não tem importância. Ele há tantos....

Vingança pluvial

Uma pessoa abre a janela e pergunta-se o que é que ainda haverá mais para chover. Parece que a Natureza quer que finalmente se abata, desmoronando-se, toda a velharia imobiliária degradada e perigosa, fruto de rendas imorais pagas por gente que nem toda pode tão pouco, mostrar que criminoso foi, pela ganância dos construtores, edificar-se em cima das linhas de água, vidas e haveres em risco de serem levados pela torrente. Carros de bombeiros num vai-vém, o sistema de saneamento por vezes colapsa, devolvendo o fétido a quem ele pertence. Faz-se justiça ao menos, excrementária. Pena é que seja sobre os danados da terra, as vítimas do costume.

19.3.10

A revolta surda

Há um sentimento de revolta surda do País, mas há, mais sentido, mais dorido, e talvez mais calado, um sentimento de profundo desânimo. Excepto os que se movem na área dos partidos de governo, que ainda se animam e entusiasmam com velhacarias e outras canalhices do assalto ao poder, a verdade é uma profunda indiferença, uma apática ausência de esperança. O não querer saber passou a ser a filosofia nacional por excelência. Tirando as misérias quotidianas próprias e as oportunidades de golo no futebol, ninguém quer saber de mais nada. Militantes de causas, catequistas de ideias, são cada vez menos, ali os indefectíveis comunistas, além uns exasperados bloquistas, mais adiante uns mansos católicos. No mais misturam-se pregadores de seitas com vendedores ao domicílio. Não há mais.
Há é, para além disso, pessoas que se entusiasmam por crónicas tremendistas à Vasco Pulido Valente ou à António Barreto. Entusiasmavam-se, quero eu dizer. Porque hoje a maioria desses leitores acham que elas não levam a parte alguma e lêem-nas enfastiados para se desenfastiarem.
O livro de Henrique Medina Carreira esgota-se em reedições, mas os problemas que ele ali denuncia, reditam-se ainda mais.
Operações como Vamos Limpar Portugal ainda poderiam abrir via para uma grande limpeza. Mas já nem isso ou a ironia disso acontece. Escândalos escancaram-se. Ninguém é poupado. Primeiro foi a política, hoje a Justiça e também a imprensa que os denuncia. Quem julga é julgado, quem denuncia é denunciado.
Houve tempos em que a alma portuguesa era sebastianista porque esperava um dia de nevoeiro. Hoje não pára de chover.

15.3.10

Quem se mete com o PSD, leva!

Eu não acompanhei o Congresso do PSD mas sei que adopataram a doutrina Jorge Coelho! Lembram-se quando aquele dirigente socialista lançou a célebre frase «quem se mete com o PS, leva!». Pois agora com os laranjas é o mesmo, com uma variante: «quem se meter com o PSD sendo social-democrata, leva!». Em período de eleições, claro.
A proposta veio do inenarrável Dr. Santana Lopes que só com essa atirou o partido para o charco quando parecia levantar-se. Queria calar a boca a alguns dos seus, abriu as goelas aos socialistas. Vitalino Canas veio à televisão acusar seraficamente a ideia de estalinista, disfarçando que é um júbilo poderem safar Sócrates do labéu de autoritário e manipulador.
Na Soeiro Pereira Gomes esta noite por um instante devem ter pensado que aquilo do estalinismo era com eles. Desta vez não é. Aliás os comunistas nem precisam votar moções parecidas. Lá quem critica o partido nunca foi do partido. Está resolvido o problema no ovo.

Um País sem ontem

Os números oficias do Gabinete de Segurança do Ministério da Educação dizem que «registaram-se, no ano lectivo 2004/2005, mais de 1 200 casos de violência escolar nos estabelecimentos de ensino portugueses. Estes obrigaram um total de 191 alunos, professores e funcionários a receber tratamento hospitalar devido a agressões».
Isto aconteceu em 2005! Escrevi sobre em 10 de Setembro de 2006, quando os números foram divulgados. Está aqui.
Sabem o que aconteceu não sabem? Nada! Por isso há professores que se suicidam, alunos que se atiram ao rio.
A única coisa é que em cada dia os portugueses estão mais esquecidos. É um País sem ontem, caminho aberto para ser uma Nação sem amanhã.

13.3.10

Vendedores de prazos

Não é privativo de proprietários ou de patrões, e nisso enganam-se os marxistas, porque há operários burgueses. Não é privativo de quem tem muito, pois há explorados miseráveis de mentalidade aburguesada.
São todos aqueles para quem a pecúnia e a vida material são a razão da vida, os infectados pela ambição do mais, doentes pelo virus da inveja, os aritméticos da acumulação, os que só conhecem o quantitativo, a comparação, os números. Usurários da própria vida, alugando-a a qualquer vida para que frutique o capital do fácil viver, parasitariamente se necessário.
O juro é o preço do tempo. Por isso a burguesia tem uma regra de ouro: aguentar, a qualquer custo, mesmo sob o escárnio, o ódio, o vitupério moral. A longo prazo só a falência das suas presas lhe retira o rendimento. Na vida política é assim também. Todos os negócios são uma forma de comprar tempo, uma forma de saber durar. O vendedor é sempre o mesmo, mudam sim os intermediários.

9.3.10

Desemprego, oferece-se

Estava à porta de uma loja de artigos para casa. Meteu conversa com uma senhora com quem simpatizou ou ela com ele. Quando ouvi o conversado já se tinham despedido com amabilidades mútuas, ela de cadeira de rodas. «Tem o quarto ano de arquitectura mas teve de esconder as habilitações para arranjar este trabalho». Voltámos à nave central do centro comercial. Saraivadas de gente nova, alguma esperta, activa, promissora, de serviço a lojas de nenhuma venda em troca de raquíticos ordenados. Muitos com cursos superiores. Mesmo assim eram bonitos, de uma beleza ofensiva num mundo feio, alguns sorriam.
A instrução hoje é uma burla: oferecem-se desempregos a quem pagar o ensino. Para muitos casos exigem-se licenciaturas. Terminadas estas, não há trabalho. Tira-se então um mestrado, ou dois, mesmo um doutoramento. De vez em quando surge a magnífica oportunidade de um «call centre», que é uma forma de vender o que nunca se terá.

Portugal no prego

Até aqui os portugueses pensavam que o perímetro das coisas que não prestavam terminava no Governo. Claro que o português achava que o seu país era «uma merda». Mas isso era só uma ideia geral porque em outros momentos o mesmo português achava que o seu país era «o máximo».
Agora o aludido português começa a surpreender-se em relação ao dito País que é Portugal. Lê na imprensa financeira que as agências de «rating» consideram que Portugal é perigoso e que por isso o dinheiro emprestado deve supor mais garantias o que significa sair mais caro.
Há tempos o Dr. Medina Carreira demonstrou com base em números e quadros - feitos que me lembre alguns pelo Dr. António Mendonça que é membro deste subsistente Governo - que estamos a viver fiado, em rigor a comer fiado.
Por ser assim os portugueses, que são a soma lógica de todos os portugueses, mesmo dos que não querem saber e aqueles que acham sempre que não é bem assim, começam a ter medo.
Deitam-se a pensar que um dia vem aí um sismo, acordam para pensarem que um dia vem a banca-rota.
Autómato, José Sócrates debita a sua cantata. À falta de melhor argumento insultam-se os que não elogiam.
Encalacrado, o ministro das Finanças sonha empenhar já os dedos, idos os anéis.

6.3.10

José Sócrates: o corpo e a sombra

Do ponto de vista humano o estertor de José Sócrates é um caso patético. Imagina-se quanto aquilo a que tem estado sujeito o estará a desequilibrar, a estraçalhar a sua imagem aos seus próprios olhos.
Não é por causa da política que segue, dos maus resultados das medidas do seu Governo, da incapacidade dos seus ministros. É por causa dele.
São já defeitos de carácter aquilo de que o acusam, vícios de personalidade que lhe atribuem, é a moral, a honestidade, a honradez, aquilo que vê posto em causa. O professor Marcelo Rebelo de Sousa ter-lhe chamado «mentirosos» passa por ser o menor de todos os casos.
De todos os primeiros-ministros de Portugal nunca outro antes se viu acossado a tal ponto no âmago da sua pessoa.
«Tenham dó, tenham piedade», implorou ele em Maputo aos jornalistas que o cercavam. Dir-se-ia que era a propósito de Manuela Moura Guedes que suplicava. Há gritos, porém, que são apelos da alma.
Este homem está perdido. Vive sob chantagem, a pior de todas, o seu corpo é a própria sombra.
José Sócrates ainda é o primeiro-ministro mas já o tratam como o último dos cidadãos. Tempos houve em que se dizia um «animal feroz». Não supunha o cruel destino: o circo.

Feras à solta

Comprem o Correio da Manhã. Comprem mesmo aqueles que têm vergonha porque, julgando-se «intelectuais», acham que um «intelectual» só pode ler o Público. Comprem e leiam as primeiras páginas. Vejam o estendal de crimes violentos que ali se relatam, a ferocidade que eles indiciam, a insegurança, o perigo.
Em meia-dúzia de anos Portugal tornou-se de «país de brandos costumes» numa Nação de feras à solta.
Dizem por aí que é a polícia que não vigia, os juízes que não prendem, as cadeias que não emendam. Dizem que são os estrangeiros e os negros. Dizem muitas coisas. Mas o que não dizem é a verdade. A verdade é que há ódio a generalizar-se nos corações, há animalidade onde devia haver pessoas. Cada história que se lê é mais sinistra do que a anterior.
Dirão também que não é de agora. Lembro que aqui há uns anos, ao visitar um estabelecimento prisional, me perguntaram se eu quereria defender um certo violador que estava sem advogado. Respondi que não. Pensando que a recusa se deveria à natureza do crime, perguntaram então se eu não quereria defender antes um esquartejador.
Dirão isso do antes e do agora, mas não dirão que agora a ousadia é mais descarada, a impunidade mais ofensiva.
Leiam pois o Correio da Manhã e vejam como as estatísticas mentem. Não é uma questão de muitos ou de menos, é uma questão da bestialização em que se está a tornar Portugal.

3.3.10

José Sócrates: um dia o tecto cai-lhe em cima!

Lê-se no jornal: «A zona das consultas externas do novo hospital de Cascais, inaugurado há uma semana, foi hoje evacuada devido à queda de uma parte do tecto. Uma fonte desta unidade de saúde assumiu à Lusa ter existido um problema técnico».
Sim, um problema técnico, diz a notícia. Mas é mentira. Do que se trata é de um problema político, o da magnitude das promessas, das esperanças com que se deu a inauguração, as pompas governamentais.
Uma semana depois da inauguração, a zona de consultas externas era evacuada por causa de uma inundação. Agora cai o tecto.
Na altura da abertura deste hospital o primeiro-ministro disse descaradamente que estava em curso o «maior investimento de sempre do Estado na qualidade da rede hospitalar», considerando que esta é «a melhor forma de responder à crise».
Mais: no acto da inauguração do novo Hospital de Cascais, José Sócrates defendeu que a «credibilidade política» se conquista «com acção, empenhamento e resultados». Claro. Estes resultados! O tecto a cair. Eis a credibilidade!