28.2.10

A Justiça na encruzilhada

Há quem diga que a Justiça está numa encruzilhada. O problema não é novo. A questão essencial, a filosófica, está aqui, exactamente no momento final, haja paciência de ver tudo. É a dúvida existencial, o e agora?.

It's medal time!

Uma amiga minha perguntava-se outro dia porque é que isto aqui aconteceu? Tentei muitas explicações, mas esqueci-me desta aqui.

Um Deus maldoso

Aqui há uns meses era a gripe que ia exterminar da humanidade uma parte substancial da população, a dos mais fracos, os vulneráveis, os sujeitos ao chamado factor de risco. Sobretudo no Inverno diziam. Lembro-me de ter ido a Inglaterra e ter ficado espantado por não andar tudo de mascarilha como os cirurgiões nos blocos operatórios, à excepção dos japoneses que, desde que foram contaminados pela bomba atómica ficaram alérgicos a toda a poluição ocidental, excepto o consumismo.
Agora ninguém fala na gripe. O pavor é dos sismos, a paranóia dos terramotos, o receio dos tsunamis.
Lembro-me que o ano passado os estudos científicos alertavam para a desertificação da Europa do Sul. O Alentejo seria em pouco tempo uma continuação do Sahara, incluindo os camelos. Hoje chove lá como aqui que até os cães a bebem de pé.
A sensação é que os pavores sociais são induzidos pelos media, a curto prazo ninguém acredita em nada. Pedro e o Lobo é uma história para crianças que os adultos haverão de aprender.
Um dos últimos territórios de crença da Humanidade, a ciência, degrada-se. Para o senso comum os cientistas são tão pantomineiros como os políticos.
Da histeria gripal diz-se que serviu para vender vacinas.
Um dia destes Lisboa acorda esfacelada em ruínas, sem vivos que cheguem para enterrarem os mortos. Nesse dia a ciência terá uma teoria. Explicará como é que não foi possível prever. Um Deus maldoso rir-se-á de todos nós.

27.2.10

Um vento asssassino

Não são as raivas humanas, os escândalos da política, a babugem anã dos salões e sua maledicência.
É a Natureza, fonte e fruto de tudo quanto vive, a desabar, em sismos e enxurradas, violenta, transformadora, como a querer aniquilar o que está para o tornar no que poderá ser.
Há um vento assassino a formar-se nos ares, exala-se um inesperado calor onde ontem se enregelava, as entranhas da terra a prometerem fogo depois de gelo.
Visto à escala cósmica, é apenas um tossicar breve do mundo tal como o conhecemos. No meio disto, povoa-nos a fauna humana atrevida, e entre ela campeia a ousadia dos rapinantes, esfacela-se o patético dos libidinosos, os primeiros a esconderem pelo gamanço os segundos pelo exibicionismo a sua incapacidade de chegarem lá por outros meios, e tudo dorme, indiferente, narcotizados pelo medo, pela preguiça, embriagados pelo desmazelo.
Pela rua do putedo, chulos rapinam o que podem. No meio do alvoroço, a farda encharcada, um polícia faz de conta que este aqui, filado pelos gargomilos, são todos os outros.
Há um requiem da almas penadas, místicos sem êxtase, em busca de uma fé, à mercê da caridade.

26.2.10

O estado do Estado

É a natureza do Estado burguês, a questão. Diria melhor, é a natureza do Estado, a questão. Lugar autoritário dos arranjos de interesses, não é palco de imoralidade ocasional, ele traduz a própria imoralidade da luta intestina pela posse dos bens, pela titularidade das relações de domínio, pelo poder.
Espaço privado da mercantilização da vida, tudo nele é jogo de predação, de transacção, de compensação.
Quando no Governo se nomeiam amigos e se compram inimigos, a lógica argentária é a mesma.
Na bolsa de mercadorias em que se transformou a vida política há uma só regra que é a de manter de pé a livre e sã concorrência, distribuindo o saque por todos na proporção da força de cada um, para que todos se calem quanto ao essencial. A fome é má conselheira e o primeiro insatisfeito é  o primeiro delator.
O Estado nunca foi, salvo nos compêndios de alguns abstraccionistas, uma realidade em si. Ele é o instrumento de uma cristalização de interesses, de classe ou de bando. Os partidos são a forma civilizada de organizar a animalidade das comedorias. As imaterialidades não venais essas que cuide delas a sociedade civil.
É por isso que a educação pública é péssima e a saúde pública um vómito: é que elas são para os que estão fora do jogo do poder, os desapossados.
É por isso que há quem, estando no Estado, saque vantagens e file comissões. Não é por falta de ética. É porque o Estado é deles, para viverem à conta dele e através dele que tudo é asim, negócio particular num Estado privatizado. 
Claro que de vez em quando as autoridades perseguem a corrupção descarada e a prevaricação excessiva. Nessa altura o negócio torna-se mais caro, o «spread» do acesso ao Estado mais alto.
Por altura das eleições, investe-se no futuro comprando propaganda. Os que não estão no Estado não conseguem pôr o Estado a pagá-la. Os outros acham isso natural. Tão natural como a sua sede de mando e de oportunidade.
O mais, é literatura e espanto.

Zoologia jurídica

O Direito tem esta coisa notável é ser uma invenção humana. Alguns iludem-se a procurar-lhe uma razoabilidade para além do voluntarismo autoritário, outros uma antropologia que o retire como grandeza da estante trivial das banais coisas sociológicas. Coitados deles.
Vem isto a propósito desta notícia: «Dois jovens de Matsinho, Gondola, centro de Moçambique, foram apanhados pela polícia a manter relações sexuais com uma cabra e agora os donos do animal exigem indemnização e casamento. O caso está em tribunal».
Mas vem sobretudo ainda mais a propósito desta segunda parte da mesma notícia: «"Recebi o caso e já remeti ao tribunal. Mas os jovens serão ouvidos em juízo por furto simples qualificado e não necessariamente por prática sexual, pois a nossa Constituição não acomoda este tipo de acto", disse à Agência Lusa Leonides Mapasse. Fora do processo-crime, acrescentou o magistrado, o ofendido (proprietário da cabra) pode intentar processo civil e moral contra os dois jovens pela prática sexual com a cabra».
Ora ante esta inconstitucionalidade por omissão, segundo a qual a Lei Fundamental de Moçambique não protege as cabras de serem fornicadas, que tolo sou quando me ria, há algum tempo, porque um maduro procurador da República se lembrou de acusar alguém de furto porque as suas ovelhas pastavam no prado de um vizinho. «Crime que se consumava por regurgitação», casquinou o advogado que por causa do chiste levou com uma participação disciplinar.
Ora Portugal tem muitos defeitos. Mas defende melhor as suas ovelhas penalmente do que Moçambique as suas cabras constitucionalmente.

24.2.10

O paradoxo do mentiroso

O primeiro-ministro é acusado mais do que mentir, de ser um mentiroso. O Procurador-Geral da República exige que os jornais reponham a verdade, os jornais dizem que os jornais mentem. A Casa Civil da Presidência da República vem a público dizer que as afirmações de um jornalista são de há muito falsas. Um pouco abaixo leio que até os adeptos do Futebol Clube do Porto exigem a reposição da verdade desportiva.
Em Portugal já ninguém escapa ao labéu da aldrabice, à suspeita da pantomina, à fama da patranha. Até António Benedito Afonso de Eça de Queiroz esclarecia outro dia dúvidas sobre a orientação sexual do seu bisavô.
Teatro de sombras e de espelhos, entre robertos e polichinelos, não se sabe já o que é falsete nem onde estão os ventríloquos. Mercado de ilusões, passa o pechibeque por ouro de lei, o crédito por saldo, o mini-prato por refeição decente.O Orçamento mente aos contribuintes, os contribuintes enganam o Orçamento. No meio, fica a política como arte do embuste.
Caminhamos para o ponto em que quem disser que está mentindo é o que diz a verdade. É o paradoxo da tanga.

22.2.10

Cansados de ganhar

Tremendo, pessimista, triste, amante do faduncho, casado com o Destino, o português mascara o complexo de inferioridade com a arrogância de se julgar o maior. Olhando-se ao espelho ri-se do outro.
Este mesmo português perdedor com argumento e derrotado com razão, certo de que nem Deus lhe vale porque há horas do Diabo, deve ter-se revisto nas palavras do treinador do Benfica segundo o qual no clube encarnado estavam «cansados de ganhar muitas vezes».
Fiquei, porém, com uma grave dúvida. Segundo o Público, a frase foi «estamos cansados mas é de ganhar muitas vezes»; para o Diário de Notícias o dito foi «cansados só se for de ganhar muitas vezes».
Há, e os linguistas que me socorram, uma substancial diferença nas duas formas de dizer, mesmo estilística, porque o «mas é», qual salto à vara verbal, projecta o corpo além da sombra que o persegue, é rebarbativo ao retorquir; já o «só se for» traz um sabor reticente, justificativo, como quem se desculpa pelo acto e pede perdão pelo facto.
«Igual a si próprio» escreve o Record, eis Jorge Jesus, um dos muitos portugueses que estão cansados de ganhar.
Entretanto José Mourinho levou três jogos de suspensão. «Só se for» pelos protestos teatrais, pensarão uns. «Mas é» mesmo por causa disso pensou melhor ainda o árbitro Gianpaolo Tose. Também ele estará cansado de ganhar. Agora faz gestos, arrogantes, carregado de complexos, inferiores.

21.2.10

Fúrias

Quando li os vários volumes da biografia de António de Oliveira Salazar, escrita pelo falecido Embaixador Franco Nogueira, impressionou-me constatar os períodos de depressão a que o chefe do Governo era dado, com estadas de reclusão na sua modesta casa em Santa Comba Dão, quase incomunicável, e deixando os seus poucos colaboradores angustiados quanto ao que fazer.
Agora há o risco de ser a histeria, a doença que começou por ser uma forma de furor uterino. A classe política pelos vistos sofre de acessos de cólera que se não indiciam isso deixam dúvidas suficientes. Eram conhecidas as fúrias de Mário Soares, são conhecidas as de José Sócrates. Os jornais à falta das primeiras noticiam as de Gordon Brown. «Os alegados ataques de fúria e gestos de intimidação contra colaboradores atribuídos a Gordon Brown obrigaram o primeiro-ministro britânico a defender-se na televisão, garantindo que "nunca" bateu em ninguém», diz o Público, aqui. Dizem os psicanalistas que a histeria é uma feminilidade fálica. As vítimas das fúrias, compreende-se, podem não gostar.

20.2.10

A voz da ambição

A política, a porca da política perverteu tudo. 
Ainda com os mortos por enterrar na Madeira, por causa da tragédia desta madrugada, com a televisão a passar imagens lancinantes da inundação, ouço declarações em série, de políticos locais da oposição quanto à medida em que a desregulação urbanística de que o Governo madeirense é culpado foi responsável pelo desfecho. O Governo
Alguns dizem que não querem fazer política, mas estão a fazê-la.
Impressiona! Ofende.
Não digo que, ante o sucedido, não se deva fazer um balanço. Não hesito em que os privados, os funcionários e os políticos, todos quantos, não devam ser chamados a responsabilidade.
Mas haja ao menos um período de luto em nome da comiseração.
Dir-se-á que é a voz da raiva a que fala. Não acredito. É antes a voz da ambição. Para esta gente trinta e dois mortos não é um horror, é uma oportunidade, um tempo de antena. Para as TV's desde Entre-os-Rios que não tinham uma tal fresta.
O Presidente da República acaba de dar um exemplo de dignidade.
Malditos os que entre cadáveres e destroços, rabuscam a babugem dos votos! Malditos sejam!

O tempo dos cómicos

Todos quanto escrevem num registo pessimista, tremendista, apocalíptico, todos os que profetizam desgraças e anunciam o fim dos tempos, todos os que vaticinam a queda do Governo ou o ocaso da civilização ocidental escrevem e falam e quase não dão conta para um mundo diferente, o mundo das pessoas que têm medo.
É por isso que a decadência que revelam continua e cada vez mais decadente, as vergonhas denunciadas continuam sem vergonha.
O medo faz com que as pessoas se conformem por dormência do sentir, anemia do querer, ganância dos interesses, rendição à necessidade de sobreviver.
O tempo dos cómicos, soezes que sejam, do burlesco, bizarro que possa ser, das piadas de tasca para ouvidos de salão, ele aí está.
Há um Portugal do Gato Fedorento, por causa do fedor. Um cheiro a latrina onde acaba o cheiro a cadáver.
Entre risos estrepitosos as classes que se julgam altas rebolam-se, minguadas, pela baixaria, o baixo nível trepa, voraz, pelas escadarias do poder.

Fernando Nobre: o sintomático e o insólito

Não sendo ingénuo pode pensar-se o que irá manter a candidatura do médico Fernando Nobre à Presidência da República. Dir-se-à que ela serve para roubar espaço a outros candidatos, como é o caso de Manuel Alegre e só assim encontrará apoios, financeiros nomeadamente, porque uma candidatura é cara, pois há a campanha eleitoral. Veremos.
Algo há nela, porém, de sintomático e, por isso, interessante: ter-se anunciado como sendo a de quem acha que Portugal precisa de «um Presidente que venha verdadeiramente da sociedade civil, que seja independente, que nada precise da política».
Ante esta candidatura, que é uma exautoração moral ao que há, Alfredo Barroso, um soarista congénito, proclamou que tem «um certo receio dos candidatos que se apresentam a defender valores acima dos partidos ou além dos partidos». Dos partidos disse ele. E propõe Carvalho da Silva.

19.2.10

Uma mentira pegada

Não é possível manter mais tempo o silêncio, nem me convenço que, nada tendo de importante a dizer, havendo tantos que o possam dizer melhor, faça sentido continuar calado.
Há momentos em que o silêncio significa aquiescência, complacência e tudo isso rima com indecência.
Não serei mais um a dizer que tenho vergonha do Governo que temos. Tenho. Mas não posso deixar de me envergonhar de todos os que na Oposição ou na Chefia do Estado, parecendo estar absolutamente contra isto permitem que isto continue.
Um destes dias o professor Marcelo Rebelo de Sousa na TV dizia que o primeiro-ministro é um mentiroso. A Dra. Manuela Ferreira Leite, também na TV, dizia um pouco menos, que o primeiro-ministro mentia. O professor Marcelo dizia que até Junho a mentira tinha de continuar a ser governo, a Dra. Ferreira Leite está a um passo de deixar de ser verdadeira oposição.
Um país governado por um homem de quem se pode dizer que é um mentiroso é um país ignominioso, tanto por ser dirigido pelo que mente, como por aqueles que o deixam continuar a mentir.
Um destes dias, no espectáculo rufia em que se tornou a vida política, aparecerá um que virá para dizer a verdade. Normalmente surgem acompanhados por uma qualquer polícia de fé.