27.4.09

L'air du temps

Já li algures que a História se fará um dia com as pequenas frases, os diários, as cartas. Diria eu com excertos de algumas entrevistas. Falando do a seguir ao 25 de Abril - expressão que em si mesma encerra um conceito e um tema - o poeta Manuel António Pina diz, numa entrevista à revista Pública, que vem distribuída com o jornal Público de domingo, que só hoje li: «Estava à venda uma casa que cobiçava imenso, por 600 contos, que era muitíssimo barato [sic]. Sabe por que é que não a comprei?». Porquê, pergunta a entrevistadora: «Estava sinceramente convencido de que vinha aí socialismo e que não precisava de comprar casa. A militância não foi só por causa de l'air du temps. Eu acreditava mesmo no poder popular».
Ora aí está uma moral política notável: o socialismo e o poder popular como meio de arranjar casa à borla, metendo ao bolso 600 contos.
Isto, entenda-se, à custa daqueles - e o poeta nisso é muito explícito e nada poético - que com o 25 de Abril «fugiram em debandada final como se fossem baratas, e abandonavam coisas que vendiam por tuta e meia».
A meio da entrevista eu ainda pensava conhecer melhor a obra de Manuel Pina. Agora não. Ele acrescenta que hoje tem «até uma hostilidade em relação à política»; eu uma hostilidade em relação aos seus versos.