28.2.09

O país de encarcerados

Quando o Canjica barbeiro, Porfírio Caetano das Neves de seu nome, que comandou a revolta contra a Casa Verde, «essa bastilha da razão humana», invectivou o padre Lopes querendo saber se sua Reverendíssima não estaria contra a nova situação revolucionária ou se aceitaria celebrar um Te Deum que conjugasse, numa só voz, o poder espiritual oriundo do Céu com o novo poder temporal ansioso de legimitação ao menos celeste, o mundo mostrou o que é.
Esperando, de «aspecto tenebroso» a resposta do vigário de Cristo, ouviu-lhe o novo cônsul, auto-proclamado protector da vila em nome de Sua Majestade e do povo, a sábia fala: «como alistar-me, se o novo governo não tem inimigos?»
O conto de Machado de Assis, é a história da revolta popular contra o alienista Simão Bacamarte, que lentamente esvaziava a cidade da sua população sã, em todos descobrindo loucuras, internando-os.
Lei da natureza humana, a que a experiência do padre Lopes absorvera, «dentro de cinco dias, o alienista meteu na Casa Verde cerca de cinquenta aclamadores do novo governo». Um outro barbeiro surgiria dizendo abertamente pelas ruas que o Porfírio estava vendido ao outro do Bacamarte. Duas horas depois o Porfírio, médico que estudara por Coimbra e Pádua, com banca agora em Itaguaí, onde se enraivecera no encarceramento das patologias cerebrais, caía.
Descobri isto entre os livros que tenho para acabar de ler. Daqui a pouco vou fazer um esforço e tentar ler jornais, para ver como vão os Bacamartes e os barbeiros no nosso país de encarcerados.

24.2.09

A folia

A ideia de Carnaval traz dentro dela duas outras ideias: a de mascarar e a de divertir. A ideia de mascarar traz no bojo dela a ideia de divertir. No fundo as pessoas mascaram-se para a coberto de um outro ser conseguirem o que, confiadas a si próprias, não conseguem: rir-se.
A particularidade final e por isso mais digna de nota é, porém, outra: a ideia de divertir traz dentro no seu âmago a ideia de mascarar. Fecha-se o círculo. As pessoas riem-se para simularem a dor que trazem dentro. A folia é para esses heróis anónimos uma forma de loucura.

18.2.09

Portugal me mata

O país de brando costumes transformou-se, agora na escala dos que têm maior taxa de homicídios na Europa Ocidental, num país de bando e curtumes.
Portugal é um país de suicidas escreveu Unamuno, amigo de Manuel Laranjeira, suicida também. Portugal é um país de homicidas escreveria hoje o pobre viajante.
O fado anavalhado transformou esta raça de deprimidos em casta de enraivecidos.
Claro que há os estrangeiros aqui emigrados. Não fui ver as estatísticas para concluir quem mata mais. Complexado como é, o português ficaria pesaroso se, até no matar o outro, não fossemos os primeiros, mesmo que pelas últimas razões. O português julga-se o melhor e pensa de si o pior. Quando não morre de desgosto mata de raiva.

11.2.09

A torradeira da Obama

A ânsia de esperança dá na facilidade da desilusão. Está a suceder isso, rapidamente, com o presidente dos EUA. Esta madrugada a Agência Financeira titulava: «Wall Street fecha muito desanimada com Plano Obama».
No capitalismo, a bolsa de valores, é o boudoir dos sentimentos. A falta de crença traduz-se logo em dinheiro, a euforia em riqueza. É um sistema que sente no bolso.
Claro que estamos a entrar num túnel de imprevisível saída. Segundo reporta a TSF esta noite: a «Nike vai despedir cerca de 1400 pessoas em todo o mundo»
A Nike, como se sabe, nasceu através de um treinador de atletismo universitário, Bill Bowerman e o seu sócio Phil Knight, que «efectuaram várias experiências com a torradeira elétrica na casa de Bill, usando materiais como cimento, borracha a fim de descobrir uma sola melhor adaptativa à performance desportiva e ao bem estar».
A Casa Branca ensaia também, agora com a sua nova torradeira eléctrica. A Europa espera ansiosa, em Portugal a laracha da propaganda e da demagogia desfaz-se em ilusões funestas, convencendo-se no que não acredita.

8.2.09

Nobres metais

A rua é larga e cruza a Avenida da República. Quase na esquina, serpenteando entre os automóveis que param ante os semáforos, ei-lo. Tem dia certo. É sempre aos domingos de tarde. No Inverno veste uma samarra com gola de pele. Tem um aspecto cuidado, um toque de camponês em Lisboa, mas dos camponeses que são a senhoria das aldeias. Não fala. Estende as mãos, em cada uma pendente um saquinho em plástico contendo o que oferece: bolacha americana. Muito de vez em quando há quem compre. Indiferente ao seu magro comércio, este homem, perdido no tempo, numa Lisboa já estranha e mais estranha ainda porque domingueira, prossegue o seu bailado, volteando, ágil, refugiando-se no passeio à iminência do sinal verde. Hoje, pois chovia, tinha uma mão ocupada com um elegante guarda-chuva. Na outra, esperançados em que alguém os levasse, dois sacos, quais aves presas pelas patas aguardando freguês, reluziam à morrinha que o fim de tarde tornava prata, a ornar aquele coração de ouro.

1.2.09

O fungagá da bicharada

Quando esta manhã chovia que até fumegava, quando há pouco vi na meteorologia que ia continuar a chover, lembrei-me que aqui há uns tempos os futurólogos previam a desertificação de Portugal. Levando-os a sério, imaginava então um país sequioso, coberto de cactos e povoado de camelos. Não errei totalmente nessa minha fantasmagoria. Falhei sim, porque acreditei nesses fautores de possíveis apenas porque afinal chove que os cães a bebem em pé. Zoologicamente sempre faz a sua diferença, convenhamos.