30.6.08

Ter e ser

O Presidente do Governo Regional da Madeira, sempre jovial, disse que a riqueza e a religião dão felicidade aos portugueses. O Miguel de Unamuno, de que estive a ler um destes dias passados os textos pessimistas sobre Portugal, escreveu que se pode ser socialista por amor aos pobres, para que o não sejam, ou por amor aos ricos para que deixem de o ser.
São dois mundos inconciliáveis: o primeiro a supor que a riqueza traz felicidade, o segundo a supor que o ter devora o ser e há que libertar os ricos da infelicidade que é terem.
Pensava eu nisto porque me disseram, já nem sei há quantos dias atrás, que se cada indiano comer um bife por semana, o mundo entra em colapso, por não haver que chegue para que tantos comam.
Já nem sei se isto é uma comédia verbal, se uma tragédia existencial. Enquanto isto, Manuel Dias Loureiro comove-se com a afectividade de José Sócrates.

22.6.08

Back to the USSR!

Uma das particularidades que se atribuem aos portugueses é conseguirem conviver com a vida corrente, sobretudo a política, através da geração diária de anedotas, piadas e outras graçolas. Tenho a ideia, por outras razões, que o povo russo tem traços de semelhança connosco, ideia empírica oriunda daquela forma de pensar que é o palpite, que dá a alguns a «taluda» e a outros o «entalanço».
Mas neste domingo de sol e de boa disposição - deve ser seguramente do ananás! - comecei a rir e a rir continuo, ao dar conta que houve um sujeito que se deu ao trabalho de viajar pela antiga URSS e coleccionar em livro uma caterva de anedotas anti-soviéticas.
Uma delas é o flash «o marxismo leninismo é científico? Claro que não, pois de outro modo experimentavam-no primeiro em animais!». A outra é «qual a diferença entre o capitaismo e o comunismo? O capitalismo é a exploração do homem pelo homem, o comunismo é exactamente o contrário».
Quem quiser saber mais, é só ir aqui. Boas gargalhadas, e que me perdoem os que não saibam que só o riso é revolucionário.
P.S. Algumas das piadas são universais: é verdade que metade do nosso Governo [perdão! do Politburo] são idiotas? É falso! Metade do nosso Governo não são idiotas! [risos]

O Tempo das Cerejas

Deu-me esta manhã para visitar os que me visitam. E dei conta, ao passar pelo belíssimo blog do Vítor Dias, O Tempo das Cerejas, que o Vasco Pulido Valente terá posto a correr que o PCP aproveitou o Europeu para «lançar uma campanha contra o futebol».
Ora se lançou, não dei conta, porque estou cada menos informado de acontecimentos correntes e futebol é coisa de que não me informo, porque uso esse tempo, mais o dos prolongamentos dos desafios, para fazer outras coisas mais variadas e mais urgentes. A minha vida diária é, aliás, sempre decidida a penalties.
A verdade é que o Vítor Dias ainda me fez sorrir, levando a sério as diabruras do VPV e dando-se por isso ao trabalho de indagar se era verdadeira a atoarda. Minuciosa busca leva-o a concluir: «como se poderá ver nas imagens abaixo, a «campanha contra o futebol» por parte do PCP foi de tal maneira oficial, pública, notória, forte, intensa e desabrida que um folheto de promoção da Festa do Avante! 2008 (concebido e editado por um estrutura directamente dependente da direcção do PCP) até incluia um calendário dos jogos do Europeu !».
Sorri-me, porque amanhã, que se comemoram cinquenta anos da morte de Cândido de Oliveira, o jornal Público editará, assim espero, um artigo que para lá enviei a lembrar que aquele anti-fascista foi parar ao Tarrafal por ter trabalhado como agente secreto ao serviço da causa aliada, na rede clandestina do SOE; e curiosamente, ele é um dos grandes conhecidos do futebol e um dos grandes esquecidos da Tarrafal, sobre o qual escreveu um livro, editado em 1974, prefaciado pelo falecido advogado José Magalhães Godinho, que tive ainda o privilégio de conhecer e ter como amigo, irmão do historiador Vitorino Magalhães Godinho.
É uma das ironias da História. Esta omissão do nome de Mestre Cândido em relação aos tarrafalistas, disse-a eu, de viva voz - permitam-me esta particularidade - a Jerónimo de Sousa quando a «Editorial Avante!» me convidou para o lançamento, no Centro de Trabalho Vitória, do livro sobre o dito «Pântano da Morte». Fez-me confusão de facto que, unidos na comum desgraça, até a morte os separe, sempre os nossos e os outros. A memória histórica deveria ter lágrimas iguais.
Um abraço ao Vítor Dias e um bom domingo para todos.

13.6.08

Navegantes do acaso

Nesta época que se costuma chamar da globalização, em que em cada momento do dia e da noite todo o mundo comunica com toda a gente, em que a hora de fecho das bolsas de valores americanas se articula com a das europeias, e no mercado de capitais, funcionam as transferências «overnight», em que pela madrugada a BBC transmite noticiários e programas de actualidades para a Ásia, porque lá é dia, e o meu amigo Eduardo, que deu em macaense, vai daqui a pouco dormir quando eu acabei de acordar mas os nossos emails num segundo de tu cá tu lá ignoram isso, nesta época, dizia eu, um feriado municipal é como nos tempos medievais em que as cidades fechavam as suas portas, encerrando-se intra muros. Um estrangeiro desprevenido que telefone hoje para cá pensa que Lisboa sumiu, o terramoto de 1755 teria regressado.
Em dias como hoje, a malta habitante vai em bandos para fora de portas, engarrafar-se em locais de distância variável na razão directa das posses, muitos para além do que já podem.
Ora é aqui que entra a diferença penalizadora. Nos tempos medievais, em que triunfava a noite escura, que é quando o espírito concebe as melhores ideias, era possível trancar tudo e não abrir. Punham-se archeiros à entrada, e seleccionavam-se a um e um, os que eram admitidos a reentrar.
Portugal repovoava-se como outrora se reflorestou: de feriado municipal em feriado municipal, restaria aquela multidão dos que ninguém quer e a quem nenhuma cidade permite franquia. Para esses, restava fazerem-se ao mar, qual raça de novos argonautas, navegantes do acaso em busca de desconhecido. Talvez por lá ficassem, a sua ausência mal notada, a sombra da sua presença vagamente comemorada.

10.6.08

10 de Junho

O ano passado, a propósito deste dia, escrevi assim:
«Houve tempos em que o dia de hoje era o dia de Portugal. Mais tarde passou a ser o de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
Seja qual for o nome, é mais um dia em que o país real sente com indiferença. As comemorações resumem-se aos actores políticos e seus funcionários, aos seus discursos, às condecorações, às paradas militares e de sapadores bombeiros.
Entre comendas e palavras o dia passa. Hoje a Natureza resolveu dar em chuva, para carregar de cinzento e de tristonho um dia de maçadoria oficial, o calendário fez recair num domingo este dia que nem sequer aumentou assim os dias de descanso da população.
Hoje, 10 de Junho, deveria ser o dia dos Portugueses. Não é. Hoje é dia do Estado fingir que é Portugal
».
A diferença entre há um ano e hoje remedeia-se aqui: «Hoje a Natureza resolveu dar em sol, para se rir de amarelo e de ironia de um dia de maçadoria oficial (...)». No mais, tudo na mesma, com a parte gorda do país em férias e muitos outras a não poderem tê-las. Ah! Ia-me esquecendo: e desta vez calhou à terça-feira.

2.6.08

O chupista

Uma amiga minha veio dar-me conta que há por aí um rapaz que escreveu um artigo sobre o mistério em torno da morte do Leslie Howard e que, citando inclusivamente na narrativa aquilo que é o título de um livro meu sobre o assunto, nem se dignou sequer referi-lo.
Claro que o que eu escrevi custou-me horas a fio de estudo nos Arquivos Britânicos, onde parte essencial do dossier referente ao trágico voo está sujeito à lei do segredo por 75 anos, a entrevistar pessoas que se ligaram aos acontecimentos, a ter comparado os dois livros que o filho e a filha do malogrado actor escreveram, este último lido na Biblioteca da Cinemateca Portuguesa, onde o livro foi apresentado, por palavras gentis do seu Director, o Dr. Bénard da Costa. Mais: dei-me ao trabalho de redigir o guião de uma banda desenhada, cuidando da minúcia dos detalhes de modo a que, quer a narrativa quer a BD, não tivessem erros factuais. Honrou-me o prefácio do professor norte-americano Douglas Wheeler, que estuda desde há anos o assunto. Documentei-me, estudei, trabalhei.
Ao dito rapaz custou apenas o contar agora a historieta e ter a falta de educação de fingir ignorar quem já cá anda há mais tempo e fez trabalho sério.
Não me espanta. Quando trouxe a prova documental de que o fundador do jornal «A Bola» tinha ido parar ao Tarrafal por ser um agente do SOE britânico, vi que numa biografia que foi, entretanto publicada, essa minha revelação sobre Cândido de Oliveira era olimpicamente ignorada.
Não é que eu queira ter direitos de autor e seguramente já cometi muitas indelicadezas ao não citar quem devia; é só porque Portugal é isto, esta miséria de se viver entre a ignorância e o copianço, uma escrita tão mais arrogante quanto é feita, parasitariamente, à conta do alheio.

1.6.08

Caminante non hay Camino

Fui à Feira do Livro e acho que ela está cada vez pior.
Ainda por cima era dia da criança e tinham anunciado sábado que abriam mais cedo no domingo, logo pela manhã.
Claro que era engano! Os pavilhões dedicados às ditas criancinhas - que cada vez lêm menos - lá estavam abertos; quanto aos outros, havia muitos fechados, abriam de tarde.
Ao topo do Parque, lá estava o conglomerado de uma empresa que comprou uma série de editores: estão todos da mesma cor, todos iguais, indiferenciados.
Houve tempos em que a «Caminho» fazia gala em ser diferente; agora vendeu-se ao sistema de que se quis alternativa, está cor-de-rosa. Houve tempos em que na «Caminho» havia filas para autógrafos, desta vez estava às moscas.
Falo da «Caminho», porquê? Porque acho que é simbolicamente a que mostra, com a sua atitude, o que há para se saber sobre as relações entre a ideologia e o capital. Começaram com o Marx, terminaram com o «marketing»! Quanto ao Saramago está na sua Fundação afundado!