13.5.08

Os sinos da minha aldeia

A minha aldeia tem árvores que não dão fruto e ruas que se cruzam em perpendicular. A rua onde eu moro não é uma perpendicular, é uma espécie de cotovelo curto e não tem árvores mas tem uma frutaria, e tem em frente dela um jardim grande, com não muitas mas algumas árvores, muitos verdes e poucas flores.
O dono desse jardim, que fica em frente à janela de onde eu vejo a rua e tudo o que nela há, não deve gostar de flores, porque escondeu umas pálidas roseiras no meio de um matagal onde está uma estátua de homenagem a um pila gorda, tristonha e pendente.
Por detrás da minha rua, na minha aldeia, há uma igreja grande, com painéis do senhor Almada Negreiros, que já morreu e nunca viveu na minha rua.
Hoje pela manhã repicavam, alegres, os sinos, num tlim sincopado e reiterado e num tlão final em oito vezes.
Daqui a um pouco a minha aldeia está infestada de automóveis e de empregados, funcionários e outros iguais e os seus parecidos, despejados tantos na paragem do autocarro. Inundam então os cafés e outros comes-em-pé, alimentados, ao desjejum, a farinha frita, amido, muito açúcar, regado tudo a café porque há que resistir a mais um dia. Por volta dos cinquenta anos, começam a ter achaques, flatos e muitas dores no peito e na barriga.
Na minha aldeia, naquela igreja, onde repicam os sinos, há uma capela mortuária. Não sei se é só para os que moram aqui. Se for, os outros haverão de ir morrer longe: vêm aqui só para se matarem.