31.5.06

Na hora do golo

Num país em que os políticos, por oportunismo eleitoral, se adaptam, submissos, ao futebol será desprestigiante que se adapte o horário da Assembleia da República ao horário do futebol? Jerónimo de Sousa, severo, acha que é, e argumenta, ingénuo, que «há mais vida para além do futebol». É só sair à rua na hora do jogo ou entrar num café no dia seguinte aos desafios. Nesse aspecto, o Parlamento, ao sincronizar o seu tempo de funcionamento com a duração dos jogos, imita a rua e faz como nos cafés: salta, pois, uma bica e um bagaço para o senhor deputado, e rapidinho que estamos no intervalo!

30.5.06

Maria Ondina Braga

Este blog foi buscar o seu nome ao título de uma obra de sua autoria, «A Revolta das Palavras». Lentamente, fui encontrando os seus livros, ávidamente li-os. Decidi-me a celebrá-la dedicando-lhe um blog, com o seu nome. Inaugurei-o ontem.

29.5.06

O gene do sexo

À medida que o Verão se aproxima a imprensa começa a aparecer com aquelas histórias de entreter, entre o real e a fantasia. A divulgação científica, naquilo em que se aproxima da ficção científica, é um campo fértil. Esta li eu num intervalo da dardejante canícula, a propósito de um estudo sobre a influência genética no impulso sexual. Segundo a agência Lusa, que se faz eco da notícia: «o estudo conclui que apenas 30% das pessoas tem uma mutação genética que intensifica o apetite sexual, carecendo dela as restantes. Tal mutação seria relativamente nova na história humana, remontando à época do homo sapiens, há cerca de 50.000 anos». Fiquei um pouco confuso, pois isto das datas, das estatísticas e dos números em geral é sempre a demonstração fatal da minha falta de inteligência. Pelo que li e consegui compreender, há 50.000 anos houve aí uma malta que foi passando do «homo sapiens» para o «homo ludens», com as partes baixas a puxar por eles com mais vigor que as alturas cerebrais. No meio disto, naturalmente que a escolátisca, o neo-kantismo e a filosofia analítica da linguagem devem ter ajudado a esfriar os ímpetos dionísicos. A Santa Madre anatemizou-os com a ameaça das fogueiras infernais. Mas a lei da gravitação universal, puxando pelas baixezas humanas é um magneto eterno. O que eu não percebi totalmente é como é que com tanto ano de mutação, porque 50.000 são quase dez mil eus colocados na fita do tempo, ainda só andamos em 30%. A resposta só pode ser huma. Do «homo sapiens» primitivo e indiferenciado, que copulava para reproduzir, surgiu uma minoria lúdica e luxuriante, para quem os genitais são uns brinquedos que Deus lhes deu para alívio e comprazimento. Os outros 70% pertencem à categoria dos que estão a esta hora no trabalho, em reunião, a agenda sobrecarregada, vários telefones ao mesmo tempo, prazos e compromissos, alimentados a sanduíches, incentivados a pastilhas, estimulados a silicone. Daqui a 50.000 tornam-se ovíparos. Geneticamente farão glu-glu!

28.5.06

Os copistas

Um estudo veio revelar que três em cada quatro universitários copiam. Se é assim, o ensino universitário está de parabéns. Conseguiu-se que a universidade gere o cidadão ideal, o tipo convencional, aquele que garante a reprodução do sistema e permite a sua continuidade. O estudante que copia será mais tarde, na vida profissional, o zeloso cumpridor da ordem alheia, na vida social o que faz como viu fazer, na vida cívica, o que nem vergonha tem, por não ter ideias próprias. No limite, mostrará, astucioso, a manha sem a qual não se sobe na sociedade. Passando a perna, pela vigarice, aos colegas que se esforçaram, ele será, pela falta de escrúpulos o exemplo paradigmático do arrivista social. É desta massa que eles se fazem. Parabém pois às universidades. São três em cada quatro? Se é assim, só falta um, estamos lá quase, é só um esforço ou então reprova-se esse quarto. Se por azar for aquele do qual os outros copiam, que se dane. Ficam os mandriões sem vergonha. É legítimo e é democrático, ainda por cima porque são em maior número.

27.5.06

A ameaça

A nossa mediocridade mede-se por uma particularidade pacóvia típica de certos portugueses: o espírito de courela. Fruto de uma ruralidade ancestral, manhoso e individualista, há uma espécie ratinha de português que defende de sachola nas unhas o seu pequeno ermo pedregoso e onde murcham afinal apenas umas enfezadas couves. A ideia do outro corresponde à da ameaça. Nisto a sacristia trouxe apenas o de que o mundo se divide entre os que veneram a santinha de pau carunchoso da nossa aldeia e os outros que são os de atrás do sol posto. É por isso que sucede no Portugal cultural aquela coisa fantástica que é um recém-chegado ser desprezado para ver se desiste. Fazer-se de novas é uma arte portuguesa em que alguns portugueses são mestres. Alguns refinam. No meu caso deu-me para não ligar. Neste mundo de labregos, xou axim.

25.5.06

O peep-show

Há na política um jogo que é o de saber quem está por cima. Jogo de dominação, é por esse afrodisíaco que se estimulam pessoas que, não fora o cio, estavam ocupadas em outras actividades mais úteis do que o que fazem. A coisa poderia ser sempre estimulantemente erótica, mas o que sucede é ser muita vez repugnantemente pornográfica. E depois, há o peep-show dos eleitores, deliciados a assitirem ao espectáculo. De quando em vez votam, desconfiados, porém, de que, apesar disso, a cena é sempre a mesma. O segredo do negócio é precisamente esse: vender cada vez mais do mesmo.

Juízes e futebol

Dizem-me que o Tribunal Constitucional acha muito bem que os juízes se envolvam no mundo do futebol. A minha dúvida é saber achariam bem que o futebol se envolvesse no mundo dos juízes. O meu clube preferido ganha muitas vezes quando joga em casa. Não sei porquê. Deve ser sorte.

24.5.06

A hora da deita

Vinha via agência Lusa: «As mulheres que dormem cinco horas ou menos por noite correm mais riscos de aumentar de peso do que as que dormem habitualmente pelo menos sete horas, indica um estudo hoje apresentado nos Estados Unidos». Aguardo, ansioso, que o estudo abranja também os homens e, mais ansioso ainda, que nos traga conclusões sobre os homens que dormem poucas horas com mulheres. Quando isso acontecer, será demasiado explícito o convite na base de a menina não quer vir emagrecer comigo, fora do ginásio claro está.

22.5.06

Uma questão de regime

Marques Mendes quer emagrecer o Estado. E que tal, já que estamos numa de dietética, tentar emagrecer os que comem à conta do Estado? É que o problema do Estado não é o ser gordo, é estar à mercê de parasitas. Um bom clister talvez ajudasse e bastante! Como com as lombrigas, precisamente.

21.5.06

Escrita felina

Mata-se um homem a tentar ser certo exacto e rigoroso na escrita de um livro e de repente tropeça numa desatenção. Felizmente há leitores amigos. E felizmente eu não tenho a mania de que faço obras primas e muito menos intocáveis. Por isso, cada vez que, depois de ter trabalhado como um cão, me dizem, aqui há gato, fico naturalmente a ganir por dentro, mas apresso-me a dar à cauda de contente! É para isso que se escrevem livros: para que nos leiam criticamente. Obrigado pois! Já não posso corrigir, posso dar conta de que anotei.

20.5.06

O saber manual

Voltei! Não plantei uma árvore mas escrevi um livro! Tudo aconteceu numas condições de tal modo duras que me iam plantando mas era a mim debaixo de umas árvores chamadas ciprestes. Para já sobrevivi. Comecei ontem a escrever outro, a primeira linha na minha cabeça. Recomecei a ler. Atrasados, operários martelam os pavilhões da feira, a do livro, debaixo das árvores, ao alto do parque. Sem eles e o seu saber manual não há cultura que se venda em fólios. Doutor é uma alcunha que se põe a muita gente. Escreveu-o o António Telmo, no último número da revista «Teoremas de Filosofia». Tinha-lo dito Álvaro Ribeiro. Esqueci-me de dizer: recomecei a ler. Só uma primeira linha, para repor a minha cabeça a funcionar.

14.5.06

Papel e cola

Dão-se «expelicações» de geometria descritiva. Estava escrito assim, num papel colado no expositor de um super-mercado. Estive mesmo para escrever por debaixo: «recebem-se de bom grado, em troca de umas aulas de português». É a isto que o país entrega os seus filhos. Claro que haverá a maioria dos outros. Como isto chegou a tal ponto é que eu não consigo «expelicar».

Linguagem receosa

Mia Couto, numa entrevista ao «Mil Folhas», diz que há na língua moçambicana uma palavra para dizer amanhã, mas nenhuma para dizer futuro. E acrescenta: «não se nomeia o futuro com essa facilidade». Como eu, que vivo a vida virando receoso, na agenda, cada folha em cada dia, o compreendo tão bem!

12.5.06

Jorge Sampaio: a tristeza de um fim

Ouvi-o na rádio, vinha eu nem sei de onde. Justificava-se, enaltecendo o cargo. Dizia tudo o que dava ao cargo um ar de importância. Explicava como tinha de contactar com gente tão importante e como era tão relevante essa sua missão. Era Jorge Sampaio, nomeado para uma missão especial da ONU. Por um momento senti a tristeza de o ver naquela situação. Era melhor não ter dito nada. Partia. Nós percebíamos que era para o esquecimento, que tudo aquilo era o terem-lhe arranjado qualquer coisa para o ocuparem. Esgotados no seu papel, Eanes ficou sem nada, Soares arranjou-se com uma fundação, Sampaio irá tratar da tuberculose. Cinco mil mortos por dia contam com ele.

11.5.06

O bacoquismo argumentativo

Acredite-se ou não «todas as noites, palavras novas correspondendo ao modelo regexp \s([-a-zà-öù-ÿ])\s acrescem à lista. Actualmente, a lista tem 42877 registos». São todas tiradas paciente e nocturnamente do Jornal de Notícias, um esforço de Sísifo, rolando palavra a palavra, montanha acima. Está tudo aqui. São palavras portuguesas, nossas, nacionalistas, do JN. O ministro Correia de Campos usou uma delas quando acusou a oposição de nacionalismo «bacoco». Vem lá, neste invulgar «vocabulário», a palavra «bacoco» e a seguir «bacoco · bacocos · bacoquice · bactéria · bacteriana · bacteriológicas · badala · badalada · badaladas · badalado · badalados · badejo · bafejado · bafo · bagagem · bagagens · bagunça · baía · baiana · baila · bailado · bailados · bailar · bailarico · bailaricos · bailarina · bailarinas · bailarino · bailarinos · baile · bailes · bairradina · bairradino · bairrismo · bairrismos · bairrista». Mas vem também, logo a seguir: «baixeza · baixezas · baixinha · baixíssima · baixíssimas · baixíssimo · baixíssimos». Vem lá tudo, é só escolher. Nem é preciso ir-se a Badajoz.

7.5.06

Permita-se ao autor que convide!

Permitam que o autor deste blog use este seu espaço para anunciar o lançamento de um seu livro. E permitam-me sobretudo que desde já vos considere convidados, para a apresentação da obra:

* Em Lisboa, no dia 16.05, pelas 18:30, na Ordem dos Advogados [sita no Largo de São Domingos, contíguo ao Rossio].
* No Porto, no dia 17.05, pela mesma hora, no Clube Literário do Porto, no n.º 22 da Rua da Alfândega.
* Em Faro, no dia 3 de Junho, pelas 18:30, na R. Dr. Cândido Guerreiro, nº 30, junto ao Largo do Mercado
.

Quem quiser ter uma ideia do que se trata, tente aqui, e depois disso, para aprofundar essa ideia, se não desanimar, aqui.

Wiki-símia

Há na ciber-população a ideia pela qual «Wikipedia» é tudo, e nela está tudo. Não há em relação à esmagadora maioria das pessoas a pergunta consistente em saber quem é quem que ali escreve e se pode não ser exacto tudo o que ali se diz. Nesse aspecto, a dita «enciclopédia» é semelhante à Internet em geral: o não informado leitor fica à mercê do atrevido escritor, cuja impunidade fica protegida, não poucas vezes, pelo anonimato. Agora o que eu nunca tinha visto foi um comentário bem disposto como aquela que vinha num post, lido esta amanhã, completamente em outro contexto, no caso acerca da URSS não ter assinado a Convenção de Genève e ter estado ou não obrigada a dispensar tratamento humanitário aos prisioneiros de guerra alemães na Segunda Guerra. Dizia assim: a Wikipedia é a crença de que 10 000 macacos a martelarem em 10 000 teclados conseguem criar uma obra de referência. Poder ser excesso em relação a muito do que lá está, mas dá pelo menos para pensar. Vendo melhor, ainda não desisto de comprar um dia a Enciclopedia Britânica. Também há on line e fazem descontos.

6.5.06

Breaking news......

Última hora! Acordei cansado de ter feito serão, abro as notícias e dou com esta: «O ministro dos Negócios Estrangeiros vai dar hoje uma conferência de imprensa para "desmentir o título" da notícia que o Expresso publica e que indica que Freitas do Amaral está "cansado no MNE"». Já não saio de casa! Ligo os canais todos da TV, varro o quadrante da rádio à espera do primeiro que o informar, sento-me com a Net aberta em tudo quanto é imprensa digital. Eu toda a orbe terráquea aguardamos, transidos. No entanto, com a imaginação já a rodar e a suprir a ignorância, calculo que a abrir, Sua Excelência diga nesta sua conferência, convocada de emergência, aos jornalistas estremunhados que tenham de a gramar: «Minhas senhoras e meus senhores, senti ser meu dever indeclinável, em nome da minha dignidade pessoal e do prestígio de Portugal no mundo, esclarecer que, ao contrário do que foi hoje noticiado em certa imprensa, o professor Diogo Freitas do Amaral não está cansado do MNE. O MNE é que está cansado do professor Diogo, farto do professor Freitas, agradecia ver-se livre do professor Amaral».

A casa amarela

Um especialista disse que a esquizofrenia «é uma das doenças com maior prevalência no país». Pelas contas desse reputado médico, vejo que um em cada cem portugueses é esquizofrénico. Entre os outros, calculo eu, devem recrutar-se casos piores. Basta abrir o jornal ou ver um bocadinho de televisão e sente-se ganas de meter uns quantos em colete de forças, para já não dizer em electro-choques!

4.5.06

Um caso de nomeada

Há quem esteja muito preocupado por a EDP ter contratado Pedro Santana Lopes como assessor jurídico da empresa. Há quem esteja preocupado pelo facto de a empresa lhe pagar dez mil euros por mês. Se essas duas coisas são verdade, há por aí tantas verdades parecidas sem que as pesssoas se preocupem, que até parece que se preocupam com esta, para não se ocuparem das outras. No mais, é o ex-ministro do governo do nomeado, a nomeá-lo agora. Mas isso é o ora agora nomeio eu, que depois me nomeias tu. É caso único?

1.5.06

O ataque dos mortos

Os loucos não se consideram loucos, os mortos não sabem que morreram. Freitas do Amaral em entrevista à oficial agência Lusa, diz que não se considera «politicamente morto». Mas acrescenta: «que enquanto for considerado útil e a saúde aguentar, estou disponível». Morto de vontade de continuar, num acto de loucura total.